Por: Gustavo Aguiar
Juramento de Svarog, por Boris Olshansky |
Em primoroso artigo intitulado Da Natureza do Tempo [1], que rendeu uma
publicação em seu blog Forças da Angústia, Álvaro Hauschild inaugurou um
contraponto relativamente à concepção por mim sufragada em A Ciclicidade do Tempo Histórico sob o Prisma do Neoeurasianismo da
Quarta Teoria Política, de acordo com a qual as civilizações modernas, ao
contrário das sociedades pré-históricas, possuem um caráter eminentemente linear,
sendo a este último reputado a causa do seu colapso iminente. Sustentei, com
base na Quarta Teoria Política, que a adoção de uma compreensão cíclica do tempo
histórico poderia constituir uma maneira eficaz de driblarmos este colapso em
um mundo que evolui em ritmo alucinante, e que, por isto mesmo, perdeu controle
sobre o desenrolar de seu próprio processo evolutivo.
Hauschild, a outro giro, recorreu à
ontologia heideggeriana para provar que a natureza metafísica
(a-civilizacional) do tempo coloca em xeque o dualismo ôntico: ciclicidade/linearidade,
tornando impossível, ou, pelo menos, inviável, compreender o fenômeno temporal
como um desdobramento contínuo através de linhas ou ciclos de historicidade.
Isso, nas palavras de Hauschild, “aniquila a concepção de tempo histórico”,
seja ela circular ou unidirecional. Afinal, o Dasein
(Ser-Aí) é, em Heidegger, o sentido existencial do eterno retorno, algo que vai
se construindo a si mesmo genuína e eventicamente, é dizer: sem um início e fim
prefixados. Hauschild traça ainda um paralelo entre o Dasein (o estar jogado aí no mundo) e a metáfora nietzschiana que
descreve o homem como uma corda entre o animal e o super-homem, uma corda por
cima do abismo.
Meu referencial teórico nesta réplica continua
sendo a Quarta Teoria Política do professor Alexandr Dugin, desta vez centrada
no Dasein (o macro-sujeito
sócio-político da referia teoria), em respeito à delimitação do objeto da
querela ora entabulada. Ademais, cumpre assinalar, preambularmente, que não
atacaremos o mérito da natureza temporal (qualitativa/quantitativa) da
escatologia cristocêntrica, uma vez que, no que concerne a este tópico, endossamos
cada palavra de Hauschild e até incentivamos aprofundamentos subsequentes, dado
o interesse de possíveis neófitos pela matéria.
De introito, calha descrever o
entendimento duginiano acerca do “sujeito composto” da Quarta Teoria Política,
qual seja: o Dasein. O Dasein surge, para os escopos da Quarta
Teoria Política, como a negação geral das concepções individualizantes dos
agentes históricos das três teorias políticas clássicas (liberalismo,
marxismo-leninismo e nazi-fascismo), cujos sujeitos são, respectivamente: o
indivíduo, a classe social e o Estado-raça. Distintamente de tais abordagens
dogmáticas, atômicas e isoladas, o Dasein oportuniza uma espécie de recomposição
holística de escalas de temporalidade, em negação explícita à tese que coloca
os três êxtases do tempo (passado, presente e futuro) em uma relação hierárquica,
verticalizada. Nos dizeres de Dugin:
“A
Quarta Teoria Politica constrói e reconstrói a sociedade por trás dos axiomas
modernos. Por isso os elementos das diferentes formas politicas podem ser
usados na 4a Teoria Politica sem nenhuma conexão com a escala de tempo. Não há
fases nem épocas - mas apenas preconceitos e conceitos. Nesse contexto,
construções teológicas, antiguidades, castas e outros aspectos da sociedade
tradicional são apenas uma das variantes possíveis; juntamente com o
socialismo, a teoria keynesiana, mercados livres, democracia parlamentar, ou "nacionalismo".
Elas são apenas formas, mas não estariam relacionadas com a topografia
implícita do 'tempo histórico objetivo'. Não há tal coisa! Se o tempo é
histórico, ele não pode ser objetivo. O Dasein
diz o mesmo. O Dasein é o sujeito da 4a Teoria Politica. O Dasein pode ser recuperado pelo refinamento da
verdade existencial da superestrutura ontológica. Dasein e algo que
institucionaliza o tempo. Durand institucionaliza o tempo pelo Traiectum em sua topografia. Traiectum/Dasein não é uma função do tempo, mas o tempo é uma função
do Traiectum/Dasein. Por isso o tempo é algo institucionalizado pela
política no contexto da Quarta Teoria Politica. Tempo é uma categoria política.
A política do tempo
é um pré-conceito da forma politica. A Quarta Teoria Politica abriu uma perspectiva
única: se nós compreendemos o principio da reversibilidade do tempo, nós não somente
somos capazes de compor o projeto de uma futura sociedade, mas somos capazes de
compor toda uma gama de projetos de diferentes sociedades futuras. Assim nós
seriamos capazes de sugerir algumas estratégias não lineares para uma nova
institucionalização do mundo”. (DUGIN, A Quarta Teoria Política, pgs. 75 e 76)
Impossível
deixar de notar que a mencionada função de institucionalização do tempo histórico
desempenhada pelo Dasein atua, ainda
que de maneira bastante residual e contingente, sobre o espectro civilizacional
– senão não haveria sequer o que ser institucionalizado politicamente -,
sobretudo se considerarmos que, na concepção duginiana, o coeficiente espacial
e geopolítico do Dasein é sucedâneo da inclusão deste último em um novo círculo
hermenêutico-filosófico vocacionado para o desvelamento de um pretenso Quarto Nomos da Terra de Carl Schmitt (a este
respeito, remeto o leitor ao artigo de minha autoria O Horizonte Cósmico de
Possibilidades da Quarta Teoria Política Rumo à Superação da Pós-Modernidade,
publicado, originalmente, no blog Legio Victrix e traduzido para o espanhol
pela 4TPes, pela Página Transversal e pela Elespiadigital [2]).
Obviamente
não queremos dizer com isto que a ontologia heideggeriana agrega no Dasein um
matiz civilizatório, até mesmo porque, em Heidegger, o sentido do ser
intramundano é buscado no horizonte de temporalidade mediana da pré-sença (pré-sença
esta na qual a espacialidade é inerente, anterior ao espaço métrico ou
geofísico) é dizer, fora da moldura estético-transcendental kantiana, que
compreende o espaço [intuição externa] e o tempo [intuição interna] como condições
de possibilidade do conhecimento apriorístico. Inclusive, uma das omissões que
Heidegger, em seu retrospecto aniquilatório acerca de concepções ontologicamente
insatisfatórias atribui Kant é a não-formulação de uma ontologia da pré-sença,
o que, segundo o autor se deve à influência do racionalismo cartesiano no
pensamento do filósofo de Königsberg, consoante se extrai da seguinte
passagem:
“Na
medida em que assume a posição ontológica de Descartes, Kant omite uma coisa
essencial: uma ontologia da pré-sença. No
sentido das tendências mais próprias do pensamento de Descartes, essa omissão é
decisiva. Com o “cogito sum”, Descartes pretende dar à filosofia um fundamento
novo e sólido. O que, porém, deixa indeterminado nesse princípio “radical” é o modo
de ser da res cogitans, ou, mais precisamente, o sentido do ser do “sum”. A elaboração dos fundamentos ontológicos
implícitos no “cogito sum” constitui o ponto de parada na segunda estação a
caminho de um retorno destrutivo à história da ontologia. A interpretação
comprova por que Descartes não só teve que omitir a questão do ser como também
mostra por que se achou dispensado da questão sobre o sentido do ser do cogito
pelo fato de ter descoberto sua “certeza absoluta”. (HEIDEGGER, Martin. Ser e
Tempo, vol. I, p. 53)
Com
isto evitamos o equívoco de confundir a temporalidade heideggeriana com os
prolegômenos kantianos da Crítica da Razão Pura. Verdade assiste a Hauschild
quando ele diz que utilizar o Dasein
para escopos civilizatórios implicaria em reduzir o alcance de suas
potencialidades à dimensão das ciências ônticas, tolhendo, assim, os
fundamentos ontológicos do mesmo. Todavia, impende salientar que questões de
ordem puramente especulativas não deveriam constituir óbice à apropriação
metodológica de um conceito aberto como o de Ser-Aí, e por “aberto” queremos
dizer passível de ressignificações e remodelizações pragmático-descritivas. Neste
diapasão, poderíamos dizer que a Quarta Teoria Política não compreende o Dasein em sua dimensão semântica pura ou
universal, na medida em que reconhece, com amparo na fenomenologia husserliana,
uma plurissubjetividade de concepções antropológico-existenciais de projetos de
vida boa. Seria como se cada povo possuísse um Dasein, ou um entendimento particularizado do significado do ser
nos entes, o que nos levaria a pensar o Dasein como instância ôntico-ontológica
gerativa de pré-conceitos. É o que se extrai do seguinte excerto:
“Aderentes
da Quarta Teoria Política devem agir passo a passo: se nós simplesmente
argumentarmos a reversibilidade do tempo e o Dasein como sujeito da 4ª Teoria Política, seria o primeiro e
principal passo. Assim, nós liberaríamos espaço para os pré-conceitos. Nós
podemos definir muitos pré-conceitos com relação à reversibilidade do tempo e Dasein/Traiectum, por isso podemos
definir vários conceitos políticos do tempo e cada um deles pode ser conectado
em um atual projeto político, de acordo com os princípios da Quarta Teoria
Política. (DUGIN, Alexandr. A Quarta Teoria Política, p. 76)
Os
pré-conceitos discriminam concepções de temporalidade politicamente
institucionalizadas no bojo de cada comunidade política, sem prejuízo da
assunção de vetores axiológico-existenciais distintos. Não seria próprio dizer,
então, que cada povo etno-culturalmente diferenciado possui um Dasein. Mas nos parece legítimo supor a existência
de uma multiplicidade de concepções do que, em última instância, viria a
significar o Dasein, e o que
fundamenta esta multiplicidade é precisamente o coeficiente
geopolítico-civilizacional multipolar da Quarta Teoria Política. Isso,
evidentemente, não constitui uma ruptura total com o entendimento de Hauschild
de que o Ser-Aí deve ser considerado em sentido heideggeriano de existência
pura ou transcendente, mas tão-somente uma ruptura parcial, vez que o Dasein
não só pode como deve ser compreendido a partir de diferentes pontos de vista.
O dualismo ciclicidade/linearidade ao qual me referi no artigo anterior teve em
vista contrapor as duas principais concepções de temporalidade que se digladiam
na pós-modernidade: a primeira (cíclica) representando o Poder da Terra, e a
segunda (linear) representando o Poder Marítimo. Contudo, pode ser que existam modelos
temporais hibridiformes ou até mesmo dissonantes daqueles por mim elencados. Nossa
predileção pelo primeiro em detrimento do segundo se deve a razões puramente estratégicas
e ao fato de Dugin ter elegido a reversibilidade do tempo histórico como um dos
principais eixos de articulação da Quarta Teoria Política.
Também
concordamos com Hauschild de que tanto o tempo cíclico quanto o tempo linear
podem conduzir o intérprete da realidade sócio-política circundante ao
niilismo, “à meia noite da noite do mundo”. Entretanto, cumpre lembrar que, no
contexto da Quarta Teoria Política, a ideia de reversibilidade do tempo
histórico encontra-se intrinsecamente conectada à noção heideggeriana de Eregnis (Evento). Para Dugin, a Eregnis russa trará consigo uma nova
aurora à humanidade, da mesma forma que em tempos pretéritos a aurora tzarista
da “Rússia Branca” subjugou a “Rússia Roxa” (o império do Anticristo)
sucessivas vezes. Tal encontra confirmação na Crônica Ura-Linda, segundo a qual
a História Sagrada do continente euroasiático é marcada por recorrentes conflitos
entre os frísios (filhos de Freya, a proto-raça hiperbórea do Norte) e os
fineses (filhos de Finda, raça intermediária entre os frísios e os lídios,
filhos de Lida, mãe dos escravos). É sumamente importante, antes de adentrarmos
a questão da Eregnis russa, mencionar
rapidamente o caráter cíclico da História Sagrada de acordo com a Crônica
Ura-Linda. Nas palavras de Alexandr Dugin:
“A
Crônica Ura-Linda aplica sua
metodologia sacro-racial não só à geografia, mas também à lógica da História.
Nela, a História Sagrada tem um caráter cíclico. Para trazer o Espírito promove
sua decadência, e a decadência, um novo Renascimento. Dentro da perspectiva da Crônica os “filhos de Freya” se
convertem no sujeito principal da História Sagrada: suas vitórias equivalem à
decolagem do Espírito Universal; suas derrotas, à sua queda. Toda a História
descrita em Ura-Linda,a partir do
afundamento de Atlântida, da Terra Velha, é a história da decadência
dos frísios, é dizer, da trajetória descendente do ciclo. No princípio
desaparece Atlântida, sua “Pátria
grande”. Mais tarde, se submergem no Mar do Norte suas novas terras, situadas
antigamente na zona do Banco Dogger. Obrigados posteriormente a emigrar à
Eurásia, se mesclam com as tribos finesas ou sofrem pressões de sua parte.
Finalmente, os pérfidos magos declaram
guerra aos frísios e com seus ataques interrompem a sagrada tradição das Virgens Brancas. A última delas morre
nas mãos dos magos. A sagrada chama
nórdica se apaga. –tradução livre do espanhol – (DUGIN, Alexandr. Rusia: El
Misterio de Eurasia, pgs 85 e 86)
Essa
perspectiva mítico-escatológica da geografia sacral viria, mais tarde, a
influenciar a apropriação duginiana do conceito de Eregnis, com vistas a resistir à inevitabilidade da influência
niilista do ocidente sobre a trajetória do ciclo cósmico, nos seguintes termos:
“Heidegger
usa um termo especial, “Eregnis” – o
“Evento”, para descrever esse retorno súbito do Ser. Ele ocorre exatamente à meia noite da noite do mundo – no
momento mais escuro da história. O próprio Heidegger constantemente vacilava
quanto a esse ponto já ter sido alcançado ou – “ainda não”. O eterno “ainda não”...
A
filosofia de Heidegger pode provar ser aquele eixo central conectando tudo ao
seu redor – das segunda e terceira teorias políticas reinterpretadas ao retorno
da teologia e da mitologia. Assim, no coração da Quarta Teoria Política, em seu
centro magnético, está a trajetória da Eregnis
(o “Evento) iminente, que incorporara o retorno triunfante do Ser no exato
momento em que a humanidade o esquece de uma vez por todas ao ponto de que seus
últimos traços desaparecem” (DUGIN, Alexandr. A Quarta Teoria Política, pgs. 30
e 31)
E
arremata, mais adiante:
“Porém,
é possível afirmar desde já que a versão russa da Quarta Teoria Política,
baseada na rejeição do status quo em
suas dimensões práticas e teóricas, focará na “Eregnis russa”. Esse será aquele “Evento”, único e extraordinário,
para o qual muitas gerações de russos viveram e esperaram, do nascimento de
nossa nação à chegada futura do Fim dos Dias” (DUGIN, Alexandr. A Quarta Teoria
Política, pgs. 32 e 33)
Portanto,
a Quarta Teoria Política, como negação do status
quo vigente, estaria incumbida de preparar o terreno para a chegada da Eregnis russa, para o triunfo da “Rússia
Branca” (constante na profecia da Virgem) sobre a “Rússia Roxa” (estandarte do
império do Anticristo). Isso só pode ser feito desde uma perspectiva de tempo
cíclico, reversível e não-linear, em coordenação com a função de
institucionalização política da historicidade cronológica presidida pelo Dasein. É preciso, na esteira deste
raciocínio, obtermos uma visão de conjunto, o que implica, em certo senso,
abandonarmos especulações improfícuas em prol de uma abordagem teórico-prática
vocacionada para escopos civilizacionais, firmes na tese de que “a
pós-modernidade, que Heidegger não viveu pra ver, é, em todos os sentidos, o esquecimento último do Ser, é aquela “meia-noite”, quando o
Nada (niilismo) começa a escorrer de todas as rachaduras. Porém, essa filosofia
não era desesperançosamente pessimista. Ele [Heidegger] acreditava que o próprio Nada era o outro lado do puro Ser,
o qual, de modo tão paradoxal! – lembra a humanidade de sua existência. Se nós
decifrarmos corretamente a lógica por trás do desdobramento do Ser, então a
humanidade pensante poderá salvar a si mesma com máxima rapidez no momento de maior
risco. “Onde está o perigo, lá também cresce a oportunidade de salvação”,
Heidegger cita a poesia de Friedrich Hölderlin”. (DUGIN, Alexandr. A Quarta
Teoria Política, p. 30)
Voltemos
nossa análise agora para a questão da historicidade da pré-sença, com o intuito
de desfazer o equívoco de que a ontologia heideggeriana é completamente alheia
ao tempo histórico. O fato de Heidegger nos oferecer a intramundanidade do Ser
como origem da temporalidade historiográfica não significa que devemos ignorar
o aspecto ôntico do tempo, mas tão-somente que o enraizamento de tal aspecto
encontra-se ancorado na temporalidade. É o que se colhe da seguinte preleção:
“Se a própria historicidade deve-se esclarecer a partir da temporalidade e,
originariamente, a partir da temporalidade própria,
então na essência desta tarefa reside o fato de que ela só pode ser
desenvolvida através de uma construção fenomenológica. A constituição
ontológico-existencial da historicidade deve ser conquistada por oposição à
interpretação vulgar que encobre a história da pré-sença”. (HEIDEGGER, Martin.
Ser e Tempo, vol. II, p. 180)
Logo,
a historiografia, considerada em termos rigorosamente científicos, seria a
confirmação das potencialidades latentes da origem ontológica da história. Mas
isso não constitui um entrave no sentido de que deveríamos abandonar tudo o que
é ôntico em virtude de essencialidades puramente ontológicas do Ser
intramundano. Há um aspecto do tempo que sempre pode ser calendarizado ou cronologizado.
Esta seria a forma imediata pela qual nós apreendemos o tempo como fenômeno
através da pré-sença. “Todavia, a pre-sença deve ser chamada de “temporal”
também no sentido de ser e estar “no tempo”. Mesmo sem uma construção
historiográfica dos fatos, a pre-sença, de fato, precisa e se vale de
calendário e de relógio. Ela faz a experiência do que “com ela” acontece, como
acontecendo “no tempo”. (HEIDEGGER,
Martin. Ser e Tempo, vol. II, p. 181)
Destarte,
a assimilação do Dasein pela Quarta
Teoria Política não nos parece infundada, principalmente se levarmos em conta
que ela ocorre no contexto de uma epistemologia metapolítica e
supra-ideológica. Em outros termos:
Alexandr Dugin não politiza o Dasein em sua Quarta Teoria Política, mas,antes,
é o Dasein que, como agente histórico da Quarta Teoria Política (re)temporaliza
a política, fracionando o processo de
institucionalização do tempo histórico em vários eixos de subjetividade
transcendente. É assim que poderíamos aludir não a um, mas a uma vasta gama de transcendens existenciários fluindo
ôntico-ontologicamente através do mosaico hipercomplexo de uma plataforma
geopolítica pretensamente multipolar. Nesse sentido, Dugin obtempera: “Nós
podemos estabelecer sobre esta base o prognóstico e os projetos. Segundo
Heidegger, o estar lançado (Geworfenheit)
do sujeito (Dasein) o força a se
projetar. Etimologicamente está claro: o sujeito é formado por sub-jectum (sub-jacere), o projeto – por pro-jectum
(pro-jacere). Em ambos os casos nós temos
o verbo “lançar”. A análise do futuro está enraizada nisso: apreendendo o
futuro, nós o estamos fazendo. É um labor sobre a história e sobre a consciência
do tempo enquanto tal”. (DUGIN, Alexandr. A Quarta Teoria Política, p. 84)
Mas
isso levanta um problema, que pode ser assim enunciado: como sociedades detentoras
de projetos de vida mutuamente contraditórios poderiam se respeitar nesse plano
de consistência multipolarizado? Ou, ainda: como assegurar um futuro igualmente
próspero para todas as concepções de tempo histórico que disputam um lugar ao
sol? A resposta para essas indagações reside naquilo que Dugin chamou de
Sujeito Radical, a assunção heterodoxa de uma instância ainda mais
profundamente arraigada na estrutura ontológica da realidade do que a
subjetividade transcendente de Husserl. Em célebre preleção, Dugin aduz que
“nas profundezas da subjetividade transcendental, há outra camada a qual
Husserl não cavou. Husserl estava convicto de que aquela descoberta feita por
ele era a última. Mas acontece que não era. Tinha que haver outra dimensão ao
redor, a dimensão mais escondida. Nós podemos designá-la como Sujeito Radical.
Se a subjetividade transcendental de Husserl constitui a realidade através da
experiência da manifestação autorreferencial, o Sujeito Radical deve ser
encontrado não no caminho para fora, mas sim no caminho para dentro. Ele se
mostra apenas no momento da máxima catástrofe histórica, na drástica
experiência do curto-circuito que dura por um momento mais longo e mais
poderoso do que é possível suportar. A mesma experiência que faz a
subjetividade transcendental se manifestar e implementar seu conteúdo criando
assim o tempo, e com sua intrínseca música é considerada pelo Sujeito Radical
como um convite para se mostrar de maneira diferente – no outro lado do tempo.
Para ele, o tempo – em todas as formas e configurações – não é nada mais do que
uma armadilha, o truque, o artificial, atrasando a real decisão. Para o Sujeito
Radical não somente a virtualidade e a rede, mas a realidade já é a prisão, o
campo de concentração, o sofrimento, a tortura. O levo cochilo da história é
algo contrário à condição na qual ele poderia ser, completar a si mesmo, se
tornar. Toda criação da subjetividade, sendo a formação secundária da
temporalidade, é o obstáculo para sua vontade pura. Se nós aceitarmos a
hipótese do Sujeito Radical, nós adquirimos imediatamente a instância que nos
explica quem tomou a decisão da globalização, do suicídio da humanidade e do
fim da história, quem concebeu esse plano e o trouxe para a realidade. Pode
ser, portanto, o drástico gesto do Sujeito Radical interessado na libertação
(impossível) não temporal. O Sujeito
Radical é incompatível com todos os tipos de tempo. Ele, veementemente, demanda
o anti-tempo, baseado no fogo exaltado da eternidade transfigurada na luz
radical. Quando todo mundo se foi, restarão somente aqueles que não puderam ir.
Talvez esta seja a razão da grande provação”. (DUGIN, Alexandr. A Quarta Teoria
Política, pgs. 90 e 91)
E
aqui alcançamos o ponto nevrálgico de toda a discussão: pressupor a existência
de um Sujeito Radical por trás de uma multiplicidade de subjetividades transcendentes
fugiria aos domínios da filosofia enquanto ciência profana e nos reconduziria a
elucubrações de natureza esotérica, onde qualquer teoria política, por mais
complexa que seja, não passaria de um eco ou um sussurro na prolífera vastidão
dos mistérios humanamente imperscrutáveis (ôntica ou ontologicamente). Em
última instância, a questão é a mesma de buscar apreender o Uno por trás do
múltiplo, a eternidade necessária por trás da variabilidade acidental. O
Sujeito Radical, como o anti-tempo ou como a outra face do tempo politicamente
institucionalizado pelo Dasein traduz
a mesma fatalidade da pulsão de morte que tenta se libertar de si mesma através
da modelização de novos paradigmas caósmicos ou Universos de referência
guattarianos. Seria demasiadamente infrutífero unir esforços para tentar
definir os contornos semânticos do Sujeito Radical. A única coisa que podemos
fazer é admitir que existe algo no Dasein
que pode ser instrumentalizado historicamente para fins de redefinição da
concepção de temporalidade predominante, qual seja: a de processo monotônico, linear
ou unidirecional. Ao adotar o Dasein
como agente histórico, a Quarta Teoria Política aniquila seu invólucro, a
redoma de vidro na qual ele encontrava preso e o traz para a esfera do
possível, das realizações concretas. Ou podemos, ainda, adotar a perspectiva
tradicionalista de Julius Evola, de acordo com a qual inexiste fatalidade, mas tão
somente uma conjugação de forças humanas e naturais que conflui,
inelutavelmente, para a dimensão da pura sacralidade. Nas palavras de Evola: “É
conveniente notar que tudo isto não corresponde de forma alguma a um
<<fatalismo>>, mas sim que exprime antes a intenção permanente do
homem tradicional de prolongar e de integrar a sua própria força com uma força
não humana descobrindo momentos em que dois ritmos – o humano e o das potências
naturais – por uma lei de sintonia, de acção concordante e de correspondência
entre o físico e o metafísico se podem tornar uma única e mesma coisa, a ponto
de arrastarem para a acção poderes invisíveis. Também assim se volta, portanto
a confirmar a concepção qualitativa do tempo vivo, em que cada hora e cada
momento tem a sua fisionomia e a sua <<virtude>> e em que – no
plano mais elevado, o simbólico-sacro – existem leis cíclicas que desenvolvem
identicamente uma <<cadeia ininterrupta de eternidades>>”. (EVOLA,
Julius. Revolta Contra o Mundo Moderno, pgs. 204 e 205)
Conclui-se,
portanto, que o Dasein, compreendido
à luz da Quarta Teoria Política, assimila o tempo como categoria política, o que
não só o permite mobilizar uma quantidade astronômica de pré-conceitos como
também a conferir substância à multiplicidade de concepções de temporalidade
que retiram seu fundamento de legitimidade da institucionalização político-civilizacional
do tempo histórico. Nesse diapasão, a intramundanidade do ser deve ser captada
em acepção ôntico-ontológica, em flagrante imbricação com o sentido de
coerência da Eregnis russa e com a
multipolaridade do espectro civilizatório, esta última qualificadora do Quarto Nomos da Terra. Não queremos dizer, com
isto, que a leitura de Hauschild acerca da ontologia heideggeriana está errada,
mas simplesmente que o Dasein, nas
latitudes metodológicas da Quarta Teoria Política, tem que poder abandonar o
invólucro do espaço puro para adentrar o esquema fenomenológico. E aqui a
sabedoria esotérica é de extrema importância para compreendemos o fenômeno
temporal, não como um recinto fechado que atua eventicamente sobre si mesmo,
mas como uma estrutura aberta que dinamiza a comunicação da humanidade com a
natureza rumo à instância pura da eternidade imóvel. O tempo cíclico deve ser
adotado para fins puramente estratégicos, de modo a provocar uma ruptura em
relação à hegemonia da unidirecionalidade governada pelas Forças do Mar na
pós-modernidade. É essa visão de conjunto que nos permitirá triunfar mais uma
vez sobre a chaga do niilismo, sem precisarmos chegar no ponto crítico de
abolirmos o tempo através do Sujeito Radical, essa estrutura recôndita que
antecede a subjetividade transcendente.
NOTAS:
[2]
http://legio-victrix.blogspot.com.br/2015/07/gustavo-aguiar-o-horizonte-cosmico-de.html
(versão portuguesa)
(versão
espanhola)
(versão
espanhola)
(versão
espanhola)
REFERÊNCIAS:
DUGIN,
Alexandr. A Quarta Teoria Política, Editora Austral: Curitiba, 2012.
DUGIN,
Alexandr. Rusia: El mistério de Eurasia, Grupo Libro 88, Colección Paraísos
Perdidos: Madrid, 1992.
HEIDEGGER,
Martin. Ser e Tempo, vol. I, Editora Vozes: Rio de Janeiro, 2005.
HEIDEGGER,
Martin Ser e Tempo, vol II, Editora Vozes: Rio de Janeiro, 2005.
EVOLA,
Julius. Revolta Contra o Mundo Moderno, Publicações Dom Quixote: Lisboa, 1989.